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sob uma belíssima tenda negra do beduíno sem tribo, nasci. Vaguei por desertos e mares, vivendo de pilhagens em nações com Estado e da hospitalidade de povos sem pátria. Daí insurgi contra todas as imagens miseráveis da condição humana. Este é meu diário de bordo.

terça-feira, 16 de junho de 2009

por um exuberante neo-cangaço

caminhando pelas difamadas ruas do p sul, na ceilândia, não demorou muito, um jovem com uma camiseta da gaviões da fiel se aproximou de mim. ele estava com alguns papeis debaixo do suvaco e um certo sorriso embreagado. pensei logo que ele devia ter acabado de assistir a alguma reprise de gols de seu time. pré-conceito mesmo. ao ficar cara a cara comigo o jovem me falou:

"ei, tu conhece um cara que foi ao mesmo tempo guerrilheiro e crítico de futebol?"

eu respondi: "você não vai acreditar, mas eu conheço sim. o nome desse cara foi carlos marighella".

o jovem me olhou com uma curiosidade irônica e sorrinso me disse: "porra! tu saca! acabei de montar esse material aqui ó". e estendeu a mão para mim com um dos montinhos de papeis outrora debaixo do suvaco. era uma encadernação amadora do "manual do guerrilheiro urbano" recheada com fotos, uma cronologia, uma entrevista publicada na frança após a morte de marighella e seu poema "rondó da liberdade". pré-concebi novamente: "como pode? alguém da geração pós-abertura de 1984, ainda por cima fanático por futebol, ter esse tipo de interesse?", daí continuei: "está bem, mas o que significa isso?"

ele respondeu:"mano, os muleque tem que pará de matá uns aos outro. tamu fazendo o trabalho dos poderosos. (...) o preto sempre tem na frente a polícia, nossa maior inimiga. e nóis matando neguinho que num é nada. a gente tem que canalizar as força pra atingir quem nos oprime. lembra do carandirú? lá os preso mostraram a fragilidade do estado. agora a gente tem que nos organizar aqui fora. eu sempre lembro pros mano da fiel a pregação sobre a revolução que prestes fez no pacaembu pras torcidas do corinthians, do são paulo e do palmeiras (...)". (isso foi em 1954)

com certa melancolia, confesso ter contemplado as necessidades de uma certa parcela das massas, representada por aquele garoto. tão evidente que ele me perguntou se eu era interressado em salvar o mundo. dei um sorriso irônico e respondi:

"o mundo não quer ser salvo. não precisa disso. não há mais trabalhador alienado. todos são conscientes de suas misérias. nos butecos, nas feiras, nas igrejas, e até nos estádios, todos sabem o que fazer para mudar sua situação. o que o mundo quer é alguém para seguir. é alguém que lhes diga o que fazer. somente isso. certamente não me interessa salvar o mundo. porém, me é de extrema importância transfigurar minha existência! se eu conseguir, terá de ser tão abundante que transbordará para algum lugar. minha fórmula para isso é simples: é necessário se decidir de que maneira deve morrer. caso contrário, terá uma morte desonrosa. ou seja, morrerá de cansaço, aposentado com e preguiça de viver. ah, e que marighella seja para vc o ele foi para baader e meinhof na alemanha, e para os zengacures no japão."

para minha graça o jovem concluiu, batucando um sambinha com as mãos e cantarolando o "rondó da liberdade":

"é preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.

"há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

"não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.

"é preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer. ´
"o homem deve ser livre...
o amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir quando não se é livre.
e no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.

"é preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer
."

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